28.1.07

A Selva (Urbano II)

Taí mais um poema...pra quem gosta e vive a noite (e à noite) na cidade.
Já tem música, que oportunamente mostrarei em algum show.















A Selva
(Heraldo Goez)

Feito humano posso assim teus olhos ver
Já caem enfim as pálpebras da noite tua
E é surpreendentemente calmo o escurecer
Sorriem tantas luzes sob a luz da lua

E nessa imensa paz me entrego ao teu olhar
De corpo, alma, sangue, sonho e lucidez
Não vejo a mim mesmo nesse instante
Parece que esse mundo todo sou eu, só
Pareço fazer parte dessa insensatez
De prédios, postes, céu, constelação

- Pura solidão. Rara solidão
Horas a contar, dias a correr
contos a mentir. Sonhos a escrever

E um pássaro passando sobre a selva urbana, sobre as nuvens
E um pássaro passando sobre a selva humana, sobre as nuvens
Dando adeus...

Ah, espero no teu beijo
Ser muito mais que o sol pra qualquer flor
Deixar correr o barco dessa vida
Na louca correnteza dessas ruas,
Essas luas todas nuas aos meus olhos
E assim tornar concreto o meu amor

E um pássaro passando sobre a selva urbana, sobre as nuvens
E um pássaro passando sobre a selva humana, sobre as nuvens
Dando adeus...

* * *
Foto: capa do CD de Heraldo Goez em http://heraldo-goez.sites.uol.com.br

25.1.07

Urbano

Feliz Aniversário, Sampa que eu amo tanto!!!
Resolvi homenagear essa data com um poema q fiz há algum tempo .
Essa poesia já foi musicada pelo (incrível) Henrique Virgínio, amigo e parceiro.











Urbano
(Heraldo Goez)

Um pássaro passando um dia sobre a selva lançará o seu olhar
E quase tudo que perceberá será o que já não se pode ver
E lá, no fundo desse olhar, no meio dessas ruas vai reconhecer
Em mim o índio, urbano, atravessando a vida, agora,
quase sem sonhar

Passo e sei que posso não pensar em quase tudo o que é real
Na realidade agora percebi que tudo tem a sua própria luz
E a solidão de amar as coisas belas da cidade me seduz
Nessas esquinas, nas ruínas, nas janelas frias, capital!...

Plástico, sintético, tijolo, emaranhado, vidro, construção.
Mágico, harmônico-caótico, sentido-inverso, direção.
E essa densa nuvem vez em quando misturando a lágrima no ar
E uma garoa fina sempre me lembrando que é preciso respirar.

O índio descerá mesmo do trem e nunca mesmo de uma estrela
Seu grito não será ouvido nem nos pontos de chegada ou nas saídas
As marcas que seu corpo traz o terno e a gravata mantêm escondidas
E a vida que ele leva sempre foi normal demais para alguém percebê-la

Um pássaro passando um dia sobre a selva lançará o seu olhar

E quase tudo que perceberá será o que eu já não sei nem dizer
E
lá, no fundo desse olhar, no meio dessas ruas vai reconhecer
Em mim o índio, urbano, atravessando a vida agora quase sem sonhar.

***

Foto de São Paulo em http://www.jornaldatarde.com.br

23.1.07

Macunaimando... (O Trilho)

Meus caros, a partir de hoje, postarei aqui alguns poemas que fazem parte do romance que estou escrevendo, chamado "O Trilho".
Segue o primeiro. Um abraço a todos!



















Macunaimando...

(Heraldo Goez)

Na chama que resiste,
A valsa do dia-a-dia
Na trama da noite,
A platéia que assiste
A toda poesia
Descalça e faminta
Num ato sem sangue
Sem cor e sem tinta
Um pássaro, um santo
Sem eira e sem ninho
Na pedra o sapato,
Um nada, o fato
Num auto-retrato,
O calo, o espinho
Um só entre tantos,
No entanto, ninguém.


Na fome do artesão,
Na sede do metal
A foto no jornal,
O mau o bom o trem e o fim
Um canto no quintal,
Um assobio no jardim
E a mão da coragem
Aboiando o desejo
No sonho de um poeta-navegante
Sem final

E o beijo e o vinho
E a boca que cala
Que traga, que manda,
Que fala e que mata
Na imensa mata,
Fechada e escura
É a lança-ternura
Que corre e que cansa
É a dança da história
Tão dura e tão tensa
A cura, a doença,
O vôo e a queda
A pedra no meio do passo e a glória,
A espada, a escada,
O norte e a lida
A vida da vida, da vida... da vida!

***


Foto: quadro de Aldemir Martins "Macunaíma"
em "http://masp.uol.com.br/exposicoes/2005/aldemirmartinsretrospectiva/07.jpg"